Locação de Bens Móveis: Desvendando a Nota Fiscal – Por Que a NFS-e Não se Aplica

Dargelina Seabra • 1 de julho de 2025

Por Que a NFS-e Não se Aplica e a NF-e é Essencial para o Trânsito?

Locação de Bens Móveis: Desvendando a Nota Fiscal – Por Que a NFS-e Não se Aplica e a NF-e é Essencial para o Trânsito?

O Dilema da Nota Fiscal na Locação de Bens Móveis e o Cenário Fiscal Brasileiro

É uma crença comum, mas equivocada, que toda atividade econômica que não envolve a venda de um produto físico deva ser classificada como "prestação de serviços" e, consequentemente, documentada por uma Nota Fiscal de Serviço (NFS-e). No entanto, quando falamos da locação de bens móveis, como mesas, cadeiras, impressoras ou equipamentos, a realidade fiscal é bastante diferente e exige um entendimento aprofundado para evitar equívocos.

A locação de bens móveis consiste em ceder temporariamente o uso e gozo de um bem, mediante um pagamento pré-acordado, sem que haja transferência de propriedade. Diferente de uma prestação de serviço (como uma manutenção ou instalação), a essência da locação é o "dar o uso" de um bem. Essa distinção é vital para o correto enquadramento tributário e a emissão do documento fiscal adequado.

Este artigo visa esclarecer, de uma vez por todas, por que a NFS-e não é o documento correto para a locação de bens móveis e qual documento deve ser emitido para garantir a conformidade legal.

Locação de Bens Móveis: Não é Serviço para Fins de ISS

A distinção entre locação de bens móveis e prestação de serviços tem um impacto direto na tributação, especialmente no que tange ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), que é um tributo de competência municipal.
A Lei Complementar Federal nº 116/2003 estabelece uma lista taxativa de serviços sobre os quais o ISS pode incidir. A locação de bens móveis, por sua natureza jurídica de "obrigação de dar" (cessão do uso), não está presente nessa lista.

Essa não incidência do ISSQN sobre a locação de bens móveis foi, inclusive, reforçada pelo veto presidencial ao subitem 3.01 da lista anexa à referida Lei Complementar, que pretendia incluí-la no rol dos serviços tributáveis. O veto foi mantido e ratificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da Súmula Vinculante nº 31, que estabelece: "É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis." 

Portanto, sua empresa não deve e não precisa emitir Nota Fiscal de Prestação de Serviços (NFS-e) para as operações de locação de bens móveis, pois essa atividade está fora da competência tributária dos municípios para fins de ISS. A NFS-e é um documento municipal destinado a acobertar serviços sujeitos a esse imposto.

A Inscrição Estadual e o ICMS: Locação Não Gera Tributação

Outro imposto relevante é o ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação). O ICMS incide, via de regra, sobre a "circulação de mercadorias" (venda) e sobre algumas prestações de serviços (transporte interestadual e intermunicipal, e comunicação).

A locação de bens móveis não se enquadra como "circulação de mercadoria" (pois não há venda do bem) nem como os serviços de transporte ou comunicação sujeitos ao ICMS. O Regulamento do ICMS do Estado do Rio de Janeiro (RICMS/RJ), por exemplo, é claro ao estabelecer a não incidência do ICMS sobre a saída de bens em decorrência de contrato de locação, comodato ou arrendamento mercantil (Art. 47, Inciso XVII). Consequentemente, empresas de locação de bens móveis não possuem Inscrição Estadual (IE) por não serem contribuintes do ICMS.

A Comprovação da Receita (Recibo) e a Essencial NF-e (Modelo 55) para o Trânsito de Bens

Embora a locação de bens móveis não exija a emissão de uma Nota Fiscal de Serviço ou a incidência de ICMS, isso não significa que a operação não precise ser documentada para fins contábeis e fiscais.

1. Comprovação da Receita: O aferimento de receitas pela sua empresa deve ser comprovado por meio de documentos de indiscutível idoneidade, como recibos, livros de registros, contratos e faturas. Esses documentos são essenciais para o controle financeiro da sua empresa, a apuração dos tributos sobre o faturamento e para a transparência junto ao fisco, além de servirem para o locatário comprovar o pagamento da locação, conforme a Lei Federal nº 8.846/1994 estabelece.

2. Acobertamento do Trânsito de Bens: Apesar da não incidência de impostos sobre a locação em si, a movimentação física dos bens móveis (mesas, cadeiras, equipamentos, etc.) do seu estabelecimento até o local do evento e o posterior retorno desses bens, exige, sim, um documento fiscal que acoberte esse transporte. A Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), modelo 55, é o documento adequado para essa finalidade.

A obrigatoriedade de acobertar o transporte de bens com documento fiscal decorre da legislação tributária estadual, que prevê a fiscalização sobre a circulação física de qualquer bem, independentemente da ocorrência de venda ou tributação. A própria existência de Códigos Fiscais de Operações e Prestações (CFOPs) específicos para remessa e retorno de bens em locação (como 5.908/6.908 e 5.909/6.909) na tabela oficial do CONFAZ para uso na NF-e demonstra essa necessidade. O objetivo é permitir que o Fisco acompanhe o trajeto físico do bem.

Manual de Cadastro de Contribuintes do ICMS da SEFAZ-RJ , em suas "Dúvidas Frequentes" , aborda a relevância da NF-e para o trânsito e as consequências da sua não emissão ou emissão irregular, indicando que a inscrição estadual pode ser impedida por irregularidades na emissão de documentos fiscais ou omissões de declarações.

Como Emitir a NF-e (Modelo 55) Sem Inscrição Estadual (IE): O Passo a Passo Essencial

Para empresas de locação de bens móveis, como aquelas registradas com o CNAE 77.29-2-02 (Aluguel de móveis, utensílios e aparelhos de uso doméstico e pessoal; instrumentos musicais), a emissão da NF-e (modelo 55) deve seguir as seguintes diretrizes:

1. Tipo de Documento Fiscal: NF-e (Nota Fiscal Eletrônica), modelo 55.

2. Natureza da Operação:
- Para a Remessa (envio do bem para locação): Utilize a "Natureza da Operação" como "Remessa para Locação".
- Para o Retorno (devolução do bem após a locação): Utilize a "Natureza da Operação" como "Retorno de Locação".

3. CFOP (Código Fiscal de Operações e Prestações):

 Remessa para Locação:
- Dentro do mesmo estado (operação interna, ex: Rio de Janeiro para Rio de Janeiro): 
5.908 (Remessa de bem por conta de contrato de comodato ou locação).
-Para outro estado (operação interestadual, ex: Rio de Janeiro para São Paulo): 6.908 (Remessa de bem por conta de contrato de comodato ou locação).

o Retorno de Locação:
-Dentro do mesmo estado (operação interna): 
5.909 (Retorno de bem remetido por conta de contrato de comodato ou locação).
-De outro estado (operação interestadual): 6.909 (Retorno de bem remetido por conta de contrato de comodato ou locação).

4. Campo da Inscrição Estadual (IE) do Emitente:
Este é o ponto que mais gera dúvidas. Como sua empresa não possui IE por não ser contribuinte do ICMS para a atividade de locação, o campo da Inscrição Estadual no sistema emissor de NF-e deve ser preenchido com "ISENTO". Em alguns sistemas ou para versões mais antigas do layout, pode ser aceito o preenchimento com zeros (000000000) ou a indicação "NÃO CONTRIB."

 É fundamental que seu ERP permita essa configuração. O próprio site da SEFAZ-RJ em suas dúvidas frequentes, ao tratar de "Certidão de Não Inscritos" menciona "ISENTOS" de inscrição.

5. Tributação (ICMS e IPI):
Nos detalhes dos itens da NF-e, selecione a opção de "Não Tributado" ou "Não Incidência" para o ICMS e IPI, uma vez que a operação de locação não está sujeita a esses impostos.

6. Informações Complementares:
Para garantir total clareza e fundamentação legal, inclua no campo de "Dados Adicionais" ou "Informações Complementares" da NF-e a seguinte frase:
-"Remessa em caráter de locação. Não incidência de ICMS, conforme Artigo 47, Inciso XVII, do RICMS/RJ." (Se a locação for em outro estado, cite a legislação do ICMS pertinente à não incidência daquele estado, se aplicável).

Tributação das Receitas na Locação de Bens Móveis: Onde o Imposto é Devido?

Embora não haja ISS ou ICMS sobre a locação, as receitas auferidas por sua empresa são, sim, tributadas pelos impostos sobre o faturamento e o lucro.
Se sua empresa está enquadrada no Simples Nacional, a tributação das receitas de locação de bens móveis ocorrerá na forma do Anexo III da Lei Complementar nº 123/2006. É importante destacar que a legislação prevê que, embora enquadrada no Anexo III (que geralmente inclui o ISS), a parcela correspondente ao ISS não será cobrada, justamente pela não incidência desse imposto sobre a locação de bens móveis. Isso se deve ao que prevê o inciso V do § 4º do artigo 18 da Lei Complementar nº 123/2006.
Para empresas nos regimes de Lucro Presumido ou Lucro Real, as receitas de locação serão somadas às demais receitas para o cálculo do PIS, COFINS, IRPJ e CSLL, conforme as regras específicas de cada regime.

A Reforma Tributária (EC 132/2023): O Futuro da Locação de Bens Móveis

A Emenda Constitucional nº 132/2023, conhecida como a Reforma Tributária, trará mudanças profundas no sistema tributário brasileiro, especialmente na tributação sobre o consumo. A partir de 2026, teremos uma transição gradual que impactará a forma como a locação de bens móveis será tributada e, consequentemente, a emissão de documentos fiscais.

Os principais pontos a serem observados são:

Substituição de Tributos: O PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS serão substituídos por dois novos tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de esfera federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de esfera subnacional (compartilhado entre Estados, Distrito Federal e Municípios). Juntos, eles formarão um sistema de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) Dual.

Locação no Âmbito do IVA Dual: A expectativa é que, sob o novo IVA Dual (IBS e CBS), a locação de bens móveis passe a ser tributada, o que não ocorre atualmente com o ISS. A lógica do IVA é tributar o consumo em todas as etapas da cadeia, permitindo o crédito do imposto pago nas fases anteriores. Isso significa que a locação, que hoje não é tributada pelo ISS, pode vir a ter a incidência de IBS e CBS no futuro.

Emissão de Documentos Fiscais no Novo Cenário: Com a plena implementação do IBS e da CBS, a emissão de documentos fiscais será padronizada e unificada. Provavelmente, haverá um documento fiscal eletrônico único que acobertará tanto as operações com bens quanto as com serviços, simplificando a complexidade atual de NF-e e NFS-e. As regras detalhadas de emissão e as alíquotas serão definidas por lei complementar.

Transição Gradual: A transição começará em 2026 com a introdução de alíquotas de teste para a CBS e o IBS, e a extinção completa dos tributos atuais (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS) está prevista para culminar em 2033. Durante esse período, as empresas precisarão se adaptar às novas regras e aos sistemas de emissão.

A reforma visa simplificar o sistema tributário, mas exigirá atenção redobrada das empresas para se adequarem às novas regras e garantirem a conformidade fiscal nesse período de transição.

Conclusão: Conformidade e Transparência Acima de Tudo

A locação de bens móveis é uma atividade economicamente relevante que, no Brasil, possui um regime tributário peculiar. Não se trata de uma prestação de serviço sujeita a ISS, nem de uma operação de circulação de mercadorias para fins de ICMS. Contudo, a necessidade de controle fiscal exige a emissão da NF-e (modelo 55) para acobertar o trânsito dos bens.
Garantir a emissão correta desse documento, com a indicação precisa de "ISENTO" no campo da Inscrição Estadual e as referências legais nas informações complementares, é fundamental para a conformidade fiscal da sua empresa, evitando autuações e problemas com o Fisco.

Se o seu ERP apresenta desafios nessa configuração, é crucial que o suporte técnico do sistema o ajuste para refletir a realidade legal da sua operação.

Com a iminente Reforma Tributária, o cenário se transformará, e a locação de bens móveis poderá ser tributada de forma diferente e com novos documentos fiscais. Manter-se informado e contar com o apoio de profissionais qualificados será ainda mais vital.

Sua empresa de locação enfrenta desafios com a emissão de notas fiscais ou dúvidas tributárias? Nossa equipe de especialistas pode ajudar a sua empresa a se adaptar às novas regras e a crescer com segurança fiscal. Fale conosco!

Dargelina Seabra